domingo, 25 de novembro de 2007

OS LIVROS E A VIDA

“Olha para a casa de Zélande, cor de rosa e brilhante como uma conchinha. Repara! Aprende a ver!” e nessa altura desaparece. É este o preço da leitura e é esta também a sua insuficiência. É atribuir um papel demasiado grande ao que não passa de uma iniciação fazendo desta uma disciplina. A leitura está no limiar da vida espiritual; pode introduzir-nos nela: não a constitui.
Marcel Proust; O Prazer da leitura, trad. Magda B. Figueiredo, ed. Teorema

É assim um livro. Não é o mundo, porque não o substitui, mas é um mundo. Um mundo aberto por onde circula o ar. É um mundo tão exuberante que, nele, cada um pode encontrar o seu lugar. Quando abrimos um livro, abrimos o mundo pela primeira vez. Há livros que mudam vidas. São os que interessam verdadeiramente. São aqueles em que as páginas brilham na sua nudez jubilosa. Desta exaltação amorosa nasce toda a vida espiritual. Porque não há vida do espírito sem movimento amoroso. As páginas na sua cadência puxam-nos para dentro.
O livro é uma brancura concentrada. Aberto, ele irradia essa sumptuosa luz, oferece-se ao leitor que o queira desfrutar. Ao contrário do audiovisual, que encerra o espectador num universo concentracionário, o livro é uma casa aberta. Uma casa que o leitor tem entre mãos e ajuda a construir palavra a palavra, página a página. E daqui pode nascer o espírito livre.
A obra que nos aguarda entre a capa e a contracapa nasce do encontro de duas solidões. A solidão do próprio livro, na sua situação de ser abandonado e original, e a solidão do leitor que busca um encontro espiritual. Cada leitor faz seu o livro que há a fazer. Cada livro tem o leitor possível.